sábado, 4 de julho de 2009

Lua, a minha amante.

Finalmente estava a sentir as emoções como nunca as tinha sentido sem obter daí uma
justificação para cada uma delas. Era como se tivesse abdicado do seu lado cognitivo e
ficasse apenas com o lado emocional no seu cérebro. Ficou diante da lua naquela noite em
Sagres. Depois de uma hora paralisado para com a sua amante ancestral, aquela que sempre
o iluminou, mas nunca justificou o porquê da sua protecção.
Ele estava a pensar como iria dar a volta a uma vida que até aí estava a ser gerida da forma
mais caótica possível, contudo sem vontade para alterar uma vírgula que fosse naquele livro
escrito por impulsos de solidão e tristeza voluntária. Porém tinha uma certeza, e essa era
a de estar farto de dissecar todas as emoções que ia tendo ao longo do tempo, saber as
razões e origens das mesmas e por vezes até quando as estava a viver. Essa agonia levava-o
a sentir-se desumano, acabando por não sofrer nada por sentir o que quer que fosse, pois
assim que sentia já estava a encontrar razões que o levaram a ficar cada vez mais frio para
consigo próprio e talvez para com os outros que o rodeavam.
Foi ali, observando a lua e o seu amor platónico, e sentindo um frio gélido pelo seu corpo,
que percebeu como era bom sentir algo sem explicação e, não se atrevendo a dissecar no
momento aquela sensação devido ao respeito que tem pela sua lua – pois pensou que esta
iria sentir que ele não estava a ser verdadeiro com ela nas suas emoções – verificou que
também é bom sentir por sentir e sem saber as razões o corpo absorve por completo aquela
adrenalina que não é mais do que angústia e prazer ao mesmo tempo.
Angústia pelo facto de não ter qualquer controlo no que sente. Prazer porque sente o seu
corpo responder às emoções no momento, ficando com arrepios e calor ao mesmo tempo,
de forma uniforme, mas também extremamente localizada em diferentes partes do seu
corpo.
Foi naquele momento, ao observar aquela luz intensa, da sua lua feiticeira, que reconheceu
nada poder fazer pelo seu destino. Muito pouco seria capaz de fazer sem aquela lua e quase
nada caso esta não existisse. Que estupidez de pensamento, disse ele em voz alta. Mas a
realidade é que quase era isso, pois ele não tinha ninguém à sua espera e muito menos com
saudades. Talvez essa era a razão pela qual não se interessava por ninguém.
Mas como é possível uma mulher querer um homem como este? Quando possui uma
amante e esta é a mais ciumenta de todas. É a que mais luz tem para oferecer na escuridão
da solidão, é a que possui mais imaginação nas quentes noites de Verão, é a menos inibida,
tendo sempre o seu corpo descoberto para ele. Sendo também a mais traiçoeira e falsa,
escondendo-se por vezes sem deixar de observar o que ele faz.
Que estupidez de sentimento, quando a lua não é humana. No entanto, ele pouco se
importava, pois nunca deixou de o ouvir desde miúdo.
Este amor é uma retribuição eterna pelo facto de alguém o ter sempre acompanhado nas
suas amarguras e frustrações de adolescente e, quando se tornou homem, aprendeu que
devia ser fiel não aos princípios ou valores que tinha adquirido. Simplesmente a quem
nunca o tinha abandonado. Porém, reconhecia o facto de a sua amante, desde tenra idade,
o exigir só para ela, sendo essa a única condição que qualquer amante faz. Ele, de imediato,
aceitou como qualquer homem faz diante da sua amante.
Nenhuma mulher irá fazer frente à sua lua, lua essa pela qual ele se deixou enfeitiçar. Ela
sempre foi frontal e franca nos seus sentimentos para com ele, mas com um toque romântico
de cinismo nas noites de ausência.
E ele, que sempre dissecou os sentimentos, nunca irá aperceber-se de que o mal não está
nele, mas sim na sua amante, aceitando a sua condição de prisioneiro eterno, esquecendose,
porém, de que é mortal. Irá viver muito pouco ou quase nada, em comparação com a sua
amante, que há muito lá está no seu negro e longínquo altar, e por muito tempo lá irá ficar.